segunda-feira, 11 de maio de 2015

FANATISMO E RELIGIÃO: FICÇÃO X REALIDADE

Autores das mais diversas mídias (livros, filmes, quadrinhos, etc) são conhecidos por buscarem nos mais improváveis lugares as inspirações para comporem as suas obras. Muitas destas criações mantém um profundo significado e também expressam a emoção interior. Os icônicos vilões destas obras foram criados por estas verdadeiras escolas de pensamento.
O clássico super-herói americano também tem uma grande influência do mito do messias judaico. Sabiam que a maioria dos criadores da Era de Ouro dos quadrinhos americanos eram judeus imigrantes ou filhos de judeus? Os heróis surgiram no final da década de 1930, e há pesquisadores que relacionam o surgimento do super-herói americano com a subida dos nazistas ao poder na Alemanha, quando o antissemitismo se tornou uma ameaça palpável e os judeus ansiavam por um salvador. Também foram os efeitos da crise de 1929 que influenciaram estas criações.
O objetivo desta postagem é traçar um paralelo entre alguns dos vilões da nossa realidade e a ficção.

Jack Kirby
Foi quando começou o seu trabalho com a DC Comics que Jack Kirby criou o super-vilão conhecido como Darkseid, o principal inimigo dos Novos Deuses. O governante tirano impiedoso de Apokolips possui poderes que rivalizam com os do Superman, tornando Darkseid a personificação do próprio ódio.
Sendo judeu e com fortes sentimentos sobre as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, Kirby colocou em Darkseid muito de Adolf Hitler e do regime tirânico da Alemanha Nazista.
Muito parecido com Hitler, Darkseid subjugou seu povo e realizou uma "lavagem cerebral" neles.

Darkseid e Richard Nixon
No entanto, a personalidade base que Jack Kirby colocou em Darkseid foi a do presidente norte-americano Richard Nixon, ainda que, mesmo para os padrões das coisas horríveis que Nixon fez, pareça duro compará-lo a Hitler.
Além disso, o servo de Darkseid, o Glorioso Godfrey, conhecido pelo grande poder de seus discursos de persuasão, deve ter sido baseado no reverendo Billy Graham, que assim como Nixon, fora conhecido por expressar ódio contra os judeus-americanos.

Glorioso Godfrey e Billy Graham
Quando lemos um quadrinho, assistimos um filme ou um desenho animado, muitas vezes é possível correlacionar certos personagens com figuras da nossa realidade atual. As situações, mesmo das obras mais clássicas, continuam muito presentes em nosso cotidiano. E se há uma verdade absoluta na história é aquela que diz: "Aqueles que não aprendem com a sua própria história estão condenados a repeti-la".

"Mais uma vez, o genocídio em nome de Deus. Uma história tão antiga quanto o homem."

Estas palavras, extraídas da célebre história dos X-Men, "Deus ama, o homem mata", são de Magneto e eu acho que elas ilustram muito bem o espírito deste romance gráfico, publicado em 1982 e escrito por Chris Claremont.

Magneto jurando que os assassinos intolerantes de crianças pagarão por seus crimes.
"Deus ama, o homem mata" foi considerada a história mais marcante feita para os X-Men. Nesta história, Claremont concentrou-se na questão do fanatismo religioso. A religião era muito presente nas histórias em quadrinhos. Como já dito, grande parte dos escritores eram judeus, mas isso não significa que somente o judaísmo fora representado. Em The Uncanny X-Men, por exemplo, a religião era muito importante para um dos personagens, Kurt Wagner/Noturno, e era curioso ver um mutante católico devoto com a parecia de um demônio, uma maneira interessante de mostrar que não devemos julgar pelas aparências. Semelhante era o caso de Hank McCoy/Fera, mutante de aparência bestial e primitiva, mas na verdade um gênio científico.
A história de "Deus ama, o homem mata" era simples: um pastor evangélico chamado William Stryker que considerava-se um instrumento da vontade de Deus, a quem foi incumbida a missão de exterminar todas as "criaturas do diabo" chamadas mutantes. E ele decidiu exterminá-los, usando os poderes mutantes de Charles Xavier. Então os X-Men, com a ajuda de Magneto, tentam deter Stryker e o massacre de mutantes. Esta história foi usada em 2003 por Bryan Singer para o filme X-Men 2.

Reverendo William Stryker
O clima desta história é pesado e sombrio e contém algumas imagens chocantes, já nas suas primeiras páginas. As duas crianças mortas com tiros à queima-roupa pelo simples fato de serem mutantes anuncia o tom da história. William Stryker não hesitou em usar a violência, ele matou para realizar o que ele considerou como uma cruzada e defendeu a erradicação de mutantes durante seus sermões. Ele não hesitou em permitir que Magneto quase fosse linchado por uma multidão enfurecida. E Stryker justifica todas as suas ações e suas palavras com a Bíblia, e até mesmo invoca a Deus como sua testemunha.

O pior da religião foi representado pelo caso de William Stryker. O ex-sargento e agora reverendo investe suas forças e palavras para criar um "exército" de pessoas devotas que junto dele pregam o extermínio da raça mutante. Os X-Men são alvos de preconceito e racismo no conto de Claremont, e isto é elevado a um nível muito maior, de uma forma jamais feita antes. Sem falar que é humano pacas!
Outro ponto interessante é a origem de Stryker: Quando ainda um militar do exército dos Estados Unidos, em um viajem com a sua esposa grávida, sofreu um acidente de carro. E ele é então obrigado a realizar às pressas o parto de sua esposa, ficando abalado com a aparência da criança, possivelmente um mutante, que ele já considerava algo maligno, e por isso a matou ali mesmo, assim como a mãe. Como diz a música de abertura do filme o Corcunda de Notre Dame da Disney: "Responda a charada: quem é o homem e o monstro quem é... ? Ele vê o mal em todos... só não vê o mal em si mesmo... "


De acordo com o raciocínio de Stryker, como "mutantes" não são sequer mencionados na Bíblia, estes não seriam criaturas de Deus, mas sim do Diabo. Um já manjado e estreito discurso que toma de assalto a sociedade, e tal "dogma" torna difícil levar a sério o tipo de religioso que quer ser respeitado. Ele se diz perseguido, mas persegue! 
O ponto máximo acontece com o debate em rede nacional entre Ciclope e Stryker. Aqui o líder dos X-Men argumenta sobre a posição do reverendo: "Rótulos arbitrários são mais importantes do que a maneira como levamos a nossa vida? O que é mais importante do que aquilo que realmente somos? Sob outro ponto de vista, nós poderíamos ser a verdadeira raça humana e todos os demais como você os mutantes".
É então que o reverendo humilha Noturno, apontando para ele e disparando: "Humano? Você ousa chamar aquela... coisa... de humano?"


Logicamente a jovem X-Man Kitty Pryde não permitiria que falassem assim do seu querido amigo, desafiando Stryker, fazendo este chegar ao extremo de pegar um revólver e ameaçar atirar na criança em frente às câmeras de televisão.
Para Stryker o "diferente" deve sofrer, aquele que não se encaixa precisa ser "apedrejado até morrer". E ele foi particularmente cruel com os dois X-Men afiliados religiosamente assim como ele. Noturno, como já dito, é católico, e Kitty Pryde, a Lince Negra, é judia.
Quando foi finalmente detido e preso, William Stryker alegou que estava sofrendo "perseguição religiosa". Cara, como isso é parecido com a vida real!

Algo não muito diferente do que vemos hoje, com as perseguições de grupos religiosos fundamentalistas. Preciso dar exemplos ou citar nomes?
O que mais vemos hoje são líderes religiosos que além de extorquir o povo, ainda incitam o preconceito, defendendo ideias completamente anti-éticas e enfatizando que elas são “a palavra de Deus”. Pilantras de marca maior, vivendo a custa da exploração dos ignorantes que caem no seu discurso.


O fato de Stryker ter sido derrotado graças a ajuda do bom senso de alguns policiais, outros líderes religiosos e políticos demonstra que estas instituições são boas quando bem geridas.

The New Teen Titans # 21: Soldados servos leais ao Irmão Sangue.
Ainda sobre o tema, um quadrinho que eu sempre gostei muito é a fase de George Pérez e Marv Wolfman com o Novos Titãs, também na década de 1980.
Aqui somos apresentados ao super-vilão conhecido como Irmão Sangue, líder do culto da Igreja do Sangue, que alegava ter adquirido a imortalidade e poderes divinos. A sua igreja tinha uma grande influência e possuía filiais em muitos países.

The New Teen Titans # 30: O culto do Irmão Sangue
Este caso da ficção apresentada pela história em quadrinhos também é bem semelhante ao que vemos atualmente. A Igreja do Irmão Sangue é aclamada por muitos por resgatar pessoas, principalmente as mais jovens, do submundo do crime e das drogas, dando consolo e uma nova razão para viver, mas a verdade é que todos eles estão apenas sendo condicionados, como algo parecido com uma lavagem cerebral, os membros da seita estão dispostos a fazer tudo pelo seu líder e atacam e eliminam a todos aqueles que pensam de forma diferente.
A Igreja do Sangue também tem muita influência na sociedade, com alguns de seus membros ocupando cargos muito importantes na política, inclusive no congresso norte-americano.
O Irmão Sangue usa dessa influência para conseguir subsídios, bem como as armas de guerra que necessita para lutar pela "liberdade" de seu país Zândia e contra seu presidente corrupto, mas este também está sendo controlado pela seita.
Também o Irmão Sangue realiza uma grande campanha contra os seus maiores opositores, o grupo de super-heróis adolescentes dos Novos Titãs. Essa perseguição e propaganda anti-Titã é feita principalmente pela repórter Bethany Snow, secretamente membro da seita do Sangue, e a sua emissora de TV.

The New Teen Titans # 28: Bethany Snow não é o que você chamaria de uma repórter
objetiva, considerando que ela é parte da Igreja do Sangue.
E ainda manipulando alguns dos membros dos próprios Titãs, como a telepata Ravena e o alienígena Azrael, o Irmão Sangue pretendia simular um milagre em rede nacional, para provar a veracidade de seus poderes e divindade.
Como Ravena, o Irmão Sangue é um empata. Enquanto a jovem Titã absorve a dor das pessoas, o Irmão Sangue torna-se mais poderoso absorvendo a fé das pessoas.

The New Teen Titans # 30: O computador é tão avançado que transforma emoções em poder.
De alguma forma.
Simulando milagres, extorquindo as pessoas sofridas as quais consolou, manipulando a política com sua influência, pregando a intolerância para com o diferente, distorcendo os fatos com o apoio de uma emissora de Televisão. O fanatismo do Irmão Sangue apresenta certas similaridades com muitas personalidades atuais.
Com certeza todos já conhecem a história de Jim Jones, líder e fundador de uma seita/igreja que foi o responsável pelo suicídio/assassinato de mais de 900 pessoas em novembro de 1978. Ele coordenou esse suicídio em massa, conhecido como o Massacre de Jonestown, na Guiana. Com o suicídio havia a promessa de uma vida melhor, em um lugar melhor, com pessoas melhores.
Com a fundação da igreja “Templo dos Povos“, Jones pretendia acabar com a segregação racial e foi até bem sucedido, inclusive incentivando a adoção de crianças de raças diferentes pelos membros da sua igreja.
Mas surgiram denuncias de sequestros de filhos das pessoas que abandonaram a seita, torturas físicas e psicológicas, privação de sono, de alimentos, e muitas outras coisas. E quando a notícia do assassinato de uma ex-integrante do Templo dos Povos, de alguns repórteres e do político norte-americano Leo Ryan, que foram investigar a igreja, veio à tona, o suicídio coletivo, que já havia sido ensaiado algumas vezes, foi colocado em prática. As pessoas foram orientadas a primeiramente darem veneno às crianças e depois o tomarem. Jim Jones foi encontrado morto com um tiro na cabeça. Foram 918 mortos, dentre eles, 270 crianças, o maior suicídio em massa da história.

Quão diferente será que é um Jim Jones de muitos destes que vemos por aí, pedindo dinheiro em troca de perdão e aproveitando-se da ingenuidade das pessoas para construir seu próprio patrimônio? (Edir Macedo? Bethany Snow pode ser comparada por exemplo a uma Rede Record que aliás tem aliados como o "partido dos trabalhadores" e um amiguinho chamado Sílvio Santos).

É um assunto já cansativo, mas parece não adiantar chamar a atenção das nossas autoridades contra o abuso cometido pelas igrejas, das mais diversas bandeiras, que continuam promovendo verdadeiras atrocidades em programas de rádio e televisão.
Pessoas chegam ao cúmulo de se colocar capazes de operar milagres, elas e suas seitas, tendo como pano de fundo sempre encher cada vez mais as suas sacolinhas.
Tudo é prometido aos desavisados, desde empregos ou o carro do ano, até curas para o pior dos cânceres.
Neste país, com as deficiências no nosso sistema de saúde (acredite em mim, é minha área de trabalho), é compreensível o desespero de alguns. Incompreensível é o silêncio e o pouco caso que é dispensado a um assunto tão grave.
Leis existem e estão aí para serem cumpridas. Ninguém tem o direito de enganar tanta gente o tempo todo.
Falta apenas a vontade ou o interesse de aplicar e punir de igual maneira tais emissoras, no mínimo coniventes com esse estado de coisas.

The New Teen Titans # 31: Irmão Sangue, derrotado por Ravena,
é regatado pelo misericordioso Azrael.
No caso da ficção da história em quadrinhos dos Novos Titãs, a mensagem foi a mais clara possível: Só foi possível para os Novos Titãs derrotarem o vilão Irmão Sangue quando seu segredo foi revelado e todos aqueles que acreditavam nele deixaram de acreditar, enfraquecendo consideravelmente os seus poderes.

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